terça-feira, 22 de abril de 2008

A segunda guerra do Paraguai (Sebastião Nery)

Mário Palmério, o saudoso e telúrico romancista mineiro de "Vila dos Confins" e "Chapadão do bugre", deputado federal pelo PTB de 1951 a 63, foi embaixador do Brasil no Paraguai em 1963 e 64. Uma noite, toca o telefone da embaixada, era o ditador Stroessner:

- Dom Mário, estava precisando falar com o senhor. Pode passar aqui pela manhã, às cinco?
- Da manhã, presidente?
- Sim. Chego sempre ao palácio às cinco. É melhor para conversar.
- Presidente, em nome da amizade do Brasil com o Paraguai, essa conversa não podia ser às 11?
Podia. Foi às onze.
Stroessner

Mário Palmério, escrevendo seus poderosos romances e compondo belas guarânias ("Saudade" é uma das três músicas mais populares do Paraguai), fez da embaixada do Brasil em Assunção um refúgio de políticos e intelectuais da oposição. Uma tarde, chega à embaixada o então ministro do Exterior, Sapeña Pastor:

- Senhor embaixador dom Palmério, nosso país deseja e precisa manter as melhores relações possíveis com o Brasil. Mas o senhor tem aqui na embaixada, asilados, mais de 40 inimigos do regime, e isto está causando os maiores problemas para o governo. O senhor não podia tomar uma providência para ajudar meu ministério e nosso governo?
- Pois não, senhor ministro, já estou tomando. Vamos lá em cima, no segundo andar, para o senhor ver a beleza de apartamento que estou preparando para asilados de luxo.
- Mas esta é uma brincadeira de mau gosto.
- Não é não, senhor ministro. O general Stroessner, seu presidente, em outros tempos já foi hóspede da embaixada do Brasil. O senhor, em qualquer eventualidade, também pode contar conosco.

Sapeña Pastor saiu e nunca mais tocou no assunto. Quando foi derrubado, Stroessner fugiu para Brasília, onde viveu até morrer.
Jango

Nos fins de 1963, os jornalistas Murilo Marroquim e Benedito Coutinho, os dois mais antigos repórteres políticos de Brasília, foram chamados à Granja do Torto, residência oficial do presidente. Jango os esperava à beira da piscina, sozinho, serviu uísque aos dois:
- Vocês já estiveram na Rússia? (Murilo já, Benedito não). Pois se preparem os dois, que muito em breve iremos a Moscou. Olha, isso é inteiramente confidencial. Só quatro pessoas sabem disso: eu, o embaixador soviético e, agora, vocês.

Deu uma volta na piscina, pensando, voltou eufórico:

- Vamos construir a hidrelétrica de Sete Quedas (Itaipu).
- Com que recursos, presidente?
- São 12 milhões de quilowatts. Técnicos brasileiros e soviéticos. Três planos qüinqüenais. Financiamento russo a juros mínimos. Grandes exportações de produtos agrícolas brasileiros para a União Soviética, para facilitar o pagamento. Só os russos possuem, hoje, turbinas para o porte de Sete Quedas. Já sondei o Stroessner. A energia ociosa do Paraguai será comprada por nós. O embaixador soviético me disse que seu país não tem o menor interesse em disputar o mercado ocidental. Interessam-lhe grandes obras, como as de Assuã, no Egito.
União Soviética

Os dois ouviam, espantados, Jango sorriu:

- Vocês não acreditam? Tem mais. O plano global inclui a ligação do Amazonas ao Prata. Vamos realizar o velho sonho brasileiro.

Murilo Marroquim, com sua sabedoria pernambucana, interrompeu:

- Presidente, o plano é maravilhoso, mas o senhor não vai executar. É uma obra monumental, mas é uma obra política. A Rússia não fará uma Assuã na América Latina, porque os Estados Unidos não vão deixar.
- Somos um país livre, independente. Contarei com o apoio das Forças Armadas para resistir a qualquer pressão e contarei com o povo.
Três meses depois, Jango era derrubado.
Itaipu

Domingo, no "Globo", a banqueira Miriam Leitão, que entende mais de negócios americanos do que a Hilary, Obama e McCain juntos, lembrou:

1 - "Itaipu foi construída (no governo Geisel) com endividamento, os juros subiram muito no exterior, a dívida virou uma bola de neve, a empresa pagou uma grande parte, mas ainda há dívida até o ano 2023. A maior parte da receita da usina é para pagar a dívida. Por isso, o Paraguai recebe um valor por megawatt que considera menor do que merece".

2 - "O atual presidente Nicanor Duarte já tentou fazer mudanças no contrato de Itaipu, mas não foram aceitas pelo Brasil. Essa é uma história longa, que se resume no seguinte: Itaipu produz 14 mil MW de energia, dos quais cada país tem direito à metade. O Paraguai só precisa de uma pequena parte. Assim, vende o resto para o Brasil".

3 - "Hoje, o Paraguai recebe, líquido, US$ 350 milhões. Fernando Lugo (o candidato vitorioso, que era bispo, bispo verdadeiro, não fajuto, como o Crivella) acha que deveria ser, pelo menos, US$ 1,8 bilhão. A relação com o Paraguai nesse início do século XXI será desafiadora".
Vem aí a segunda guerra do Paraguai? Falta Caxias.

sábado, 5 de abril de 2008

Lacerda: Jogaram o povo contra o Exército e o Exército contra o povo

Manchete da TRIBUNA DA IMPRENSA 5 de abril de 1968:

Novas atrocidades e mais de 600 prisões

Mais de seiscentas pessoas foram levadas ontem para o Forte de Copacabana, ao deixarem os cinemas da Zona Sul. A onda recorde de prisões começou no Cine Metro, onde o público vaiou o documentário oficial do governo. O gerente chamou a Polícia e provocou a expedição militar. Essas medidas repressivas culminaram numa série de violências, iniciadas às portas da Candelária, logo após a missa (às 11:30 horas), celebrada em sufrágio da alma de Édson Luís de Lima Souto.

Após uma tarde marcada por movimentação de tropa e o espetáculo do aparato militar nas principais ruas e praças da cidade, bombas de gás lacrimogênio, carga de cavalaria e a ação dos cassetetes voltaram à Praça Pio X, onde o dispositivo policial militar voltou a se atirar sobre os estudantes que deixavam a nave da Igreja, após a segunda missa por seu colega morto, protegidos por 12 dos 17 sacerdotes que haviam coadjuvado d. José de Castro Pinto, arcebispo-auxiliar do Rio de Janeiro.

Pouco antes, a Rádio Jornal do Brasil havia sido retirada do ar. Hoje é feriado escolar em toda a Guanabra. Em São Paulo, o bispo de Santo André saiu à frente da passeata dos 100 mil. A situação continua tensa em Brasília. Mas o governo desistiu, em princípio, da adoção do estado de sítio.

Lacerda: Jogaram o povo contra o Exército e o Exército contra o povo

"Conseguiram fazer exatamente o que eu temia; jogar o povo contra o Exército e o Exército contra o povo" - disse o ex-governador da Guanabara, sr. Carlos Lacerda, ao comentar os últimos incidentes entre estudantes e as Forças Militares estaduais e federais. E acrescentou somente um milagre democrático poderá unir novamente as Forças Armadas ao povo".

Referindo-se à posição do governo federal em conter, pela força, as reivindicações estudantis, salientou o sr. Carlos Lacerda que "enquanto nos Estados Unidos, Lindon Johnson, cede na França, De Gaulle cedeu no caso da Argélia - na Tcheco-Eslováquia, os comunistas também cedem, no Brasil, o governo do marechal Costa e Silva responde às justas reivindicações não só do povo como também de todos os brasileiros, com balas de fuzis e violências de todas as ordens".

Seleção-força no Paraguai

São Paulo (Sucursal - S. Press) - Os paraguaios querem jogar com a Seleção Brasileira pela "Taça Osvaldo Cruz" no correr do mês de agosto, isto é, dentro da segunda quinzena. As duas preferidas são quinze e dezoito. O coronel Fernando Decamille presidente da Liga Paraguaia de Futebol, que acompanha a delegação do Guarani, que está disputando a "Libertadores da América", no grupo dois, e que jogou na noite de ontem, contra o Palmeiras, contou aos repórteres, que os seus entendimentos com o presidente da CBD, sr. João Havelange, já vão adiantados e parecem acertados.

Deseja o coronel Decamille, que o Brasil se apresente com a sua força máxima na próxima disputa, pois os paraguaios desejam ver os cobras da Seleção Nacional, mormente, porque ela será uma idéia da força brasileira para a Copa do Mundo de 1970.