29/10/2009 - 01h41
“A mentalidade reacionária, que financiou os crimes hediondos perpetrados pelos ainda impunes facínoras da Operação Bandeirantes, continua vívida e predominante nas entranhas da nata econômico-financeira da sociedade brasileira”
Osvaldo Martins Rizzo *
“A sociedade é composta de duas classes: os que têm mais jantares do que apetite e os que têm mais apetite que jantares”
(Sébastien-Roch Chamfort, século XVIII)
A democracia brasileira sempre esteve ameaçada pela vocação golpista da classe dominante nacional, zelosa da mantença dos seus privilégios seculares, ainda que por meios violentos.
Entusiasmado no discurso de entrega da faixa presidencial ao seu sucessor Jânio, o ex-presidente Juscelino declarou consolidada a democracia no Brasil. O desenvolvimentista mineiro jamais esteve tão enganado, pois, meses depois, o udenista paulista renunciaria ao cargo, e a alta burguesia arquitetou uma ação antidemocrática contra a legítima posse do vice-presidente, o progressista Jango.
O engenheiro Leonel Brizola, outro desenvolvimentista, liderou a resistência democrática aos golpistas distribuindo armas ao politizado povo gaúcho. Sobre o fato, o ex-deputado Moniz Bandeira escreveu: “Só um filho do povo, que nunca renegou suas origens, podia armar o povo. Desde a Revolução Mexicana, na segunda década do século XX, nenhum outro político latino-americano, dentro de uma sociedade burguesa, ousou tomar semelhante iniciativa. Esse gesto jacobino de Brizola as classes dominantes nunca perdoaram”.
Todavia, o poder econômico só permitiu que Jango governasse como o enfraquecido presidente do regime parlamentarista do primeiro ministro Tancredo Neves, o confiável. Um plebiscito restituiu todos os poderes presidenciais a Goulart. Inconformada com a plebiscitária escolha popular, a amotinada burguesia induziu os militares a golpearem, com a violência dos canhões, a frágil democracia brasileira apeando do poder o gaúcho legalmente eleito. Jango, um rico estancieiro, foi rotulado de comunista pelo incendiário udenista Carlos Lacerda.
Após atear fogo ao prédio que abrigava a União Nacional dos Estudantes (UNE), e se divertindo vendo jovens pulando o muro dos fundos para não morrerem queimados, a fidalga burguesia moradora da Zona Sul carioca, das varandas dos seus luxuosos apartamentos com vista para o mar, alegremente comemorou o fim da democracia bebendo champanhe francês, jogando confetes e berrando: “Agora o dólar vai baixar!”. Satirizando e denunciando a instauração da mentira no território nacional, o compositor Juca Chaves ironizou cantando: “E quando o feijão dá sumiço e o dólar se perde de vista, o Globo diz que tudo isso é culpa de comunista”.
“Vivemos uma outra época”, dirá o desmemoriado cidadão dominado pela alienante mídia atual.
Ledo engano, porquanto a mesma mentalidade reacionária, que financiou os crimes hediondos perpetrados pelos ainda impunes facínoras da Operação Bandeirantes, continua vívida e predominante nas entranhas da nata econômico-financeira da sociedade brasileira.
Sendo hoje um estorvo ao plano entreguista de preservação do modelo fiscalista imposto pela ditadura dos economistas-chefes, as Forças Armadas são alvo de campanha de desvalorização ante a opinião pública. Os neo-udenistas, então, recorrem à sua arma disponível mais poderosa: o controle do mercado financeiro, capaz de criar uma situação social caótica, ao estilo daquela que paralisou os transportes minando a sustentação do governo do chileno Salvador Allende.
O jornal Valor Econômico de 19/10/09 (na página C2) publicou a mais recente advertência do burguês fidalgo: se a pré-candidata do governo à presidência da República se aliar aos desenvolvimentistas “não governará”, ameaçou, destemidamente, um digno porta-voz da confraria financeira de alta linhagem “sintetizando uma opinião quase consensual do mercado” (confira).
A fidalga burguesia ficou acostumada a receber do governo, durante o fenecido período neoliberal, a sua robusta mesada mensal provenientes das aplicações em fundos mútuos lastreados em papeis emitidos pelo governo para rolar – sem amortizar – a sua enorme dívida interna. Os recursos economizados pelos superávits primários devem saudar os compromissos com os siderais juros dessa dívida, mesmo que falte dinheiro para investir no desenvolvimento do país.
Sem poder contar com as quarteladas e os Doi-Codis, agora, o mesmo burguês fidalgo ameaça, publicamente, impor o caos financeiro à população para proibir de governar qualquer presidente legitimamente eleito pelo voto popular que ouse mudar o esquema espoliativo vigente, resumido na expressão “pagar primeiro para depois, se sobrar, crescer”.
* Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
Matéria extraída do Site Congresso em Foco:
http://congressoemfoco.ig.com.br/cf/noticia.asp?Cod_Canal=4&Cod_Publicacao=30370
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